Personas: Louise de “A Chegada”

Elaine Timm
4 min readJan 14, 2021

Como lidar com uma realidade não linear, sabendo que suas escolhas afetam diretamente o futuro da humanidade? E se sua habilidade de articulação e compreensão acerca de linguagens diferentes fosse seu próprio superpoder para salvar o mundo de um desastre iminente? A palavra, ao invés da força. As motivações da Dra. Louise Banks em A Chegada, são alheias a ela mesma, pois estão conectadas às consequências de seus atos passados, mas é essa inconsciência que a move em seu objetivo — e, nesse contexto, ela é a única e possível heroína dessa história.

Louise é a alma do filme, rodeada de homens, trajes e regras. A peça-chave, recrutada pelos militares americanos para decifrar a língua dos alienígenas e permitir a interação com eles. Desenvolver comunicação entre espécies leva tempo, e Louise, constantemente, tem que lidar contra a pressão gerada por uma população em pânico, mídia sensacionalista e militares de 12 países; todos assumindo que a coisa a fazer é usar força contra os heptapods, para afastá-los ou matá-los.

Em meio a esse caos, ela se opõe aos homens com informações e fatos, e nunca com petulância. Mais um trunfo em sua habilidade de articulação e comunicação, fato que faz com que militares, doutores e políticos a procurem em busca de respostas.

Falando um pouco do gênero: essa ideia combinada em incontáveis ​​filmes de ficção científica forneceria a explicação padrão para explicar a razão de os alienígenas estarem na Terra: eles vieram para invadir nosso planeta e nos destruir, nos levando a lutar entre nós; sendo assim, devemos aniquilá-los. Mas aqui a presença de Louise e suas atitudes geram uma reviravolta na narrativa.

Sua compreensão sobre linguagem e tempo, mesmo que inconsciente ou adormecida, cria a lente primária através da qual a realidade é percebida, criando uma espécie de consciência expandida que torna difícil ver as coisas de maneira diferente — neste caso, uma razão mais benigna do porque esses estranhos visitantes extraterrestres pousaram na Terra. Sabemos que o propósito era a união entre os povos, o que resultaria em inúmeros benefícios milhares de anos depois. O movimento da personagem desmistifica o motivo comum à uma explicação muito mais humana. Ora, ela humaniza os alienígenas.

Falando um pouco sobre o tempo: sabemos que a Dra. Banks vive numa realidade simultânea e sua comunicação com os heptapods lhe permite expandir essa visão e reprogramar seu cérebro para vislumbrar as causas de seus efeitos no presente; refletindo passado e futuro, como num paradoxo temporal. Tudo isso, para dizer que ela não é apenas uma professora linguística, mas também uma viajante do tempo.

Nesse aspecto, nós temos uma mulher que está conectada a todos os arcos do filme, ou seja, tudo resulta nela, e nela tudo resulta. Isso nos leva a um aspecto emocional presente e especial: além de salvar a humanidade, a motivação inconsciente (que aos poucos vai se tornando consciente) da personagem é a chegada de sua filha Hannah e a relação das duas entre os tempos. As pistas que obtém das visões de sua filha fornecem informações de que ela precisa para decodificar o que os heptapods estão dizendo. Ao mesmo tempo, ela também está se sentindo inspirada pelo amor que sente pela criança. Nesse contexto, Louise incorpora a capacidade de transformar situações através da expansão da consciência, e o sentimento é o catalisador dos acontecimentos.

Falando um pouco de Amy Adams: o que torna sua presença em cena tão fantástica, além da mulher que move tudo e todos na narrativa, é sua habilidade de nos trazer a sensação de que a personagem sabe que tudo está acontecendo de forma simultânea, mesmo sem compreender ainda. Então, quando ela passa a entender o efeito de suas escolhas, sua atuação consegue transparecer esse sentimento com muita clareza.

Quão bonito pode ser quando uma mulher do outro lado da tela nos permite refletir? Perto do final do filme, Louise deve responder a uma questão essencial que todos nós enfrentamos, em muitas áreas da vida: se pudéssemos saber o que acontecerá no futuro, tomaríamos medidas para mudá-lo? E, por mais complexo que possa ser o que nos confronta hoje — conhecido e desconhecido — , podemos enfrentá-lo de todo o coração com amor e abertura para transformar e ser transformado? A Chegada nos deixa esse questionamento, através de uma presença feminina marcante, figura central e definitiva.

Texto publicado em http://www.clubedapoltrona.com.br/2018/07/25/miss-in-scene-a-chegada/

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